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Crónica de Opinião: “Cansado de mim”! – 3

José Luís Carvalhido da Ponte

01 Setembro 2021, 9:00

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O mito, dito de forma simplista, é uma narrativa, mais ou menos fabulosa, que procura explicar o sentido das coisas sempre que o homem o não sabe fazer através da razão. É através dos mitos que somos capazes de reconstituir “o caminho que separa o homem civilizado, tão afastado da natureza, do homem que vivia em estreita intimidade com ela”. [Contudo] os mitos, tal como os conhecemos, são fruto do poder criador de grandes poetas”[1]. No caso ocidental, a mitologia grega começa com Homero, cerca de 1.000 antes de Cristo.

Ora o homem, porque sempre se preocupou com o seu aparecimento sobre a terra, foi construindo narrativas ao sabor das suas fantasias. Assim, Hesíodo, no seu livro Os Trabalhos e os Dias, diz-nos que, num longínquo princípio, os Homens viviam em harmonia com os Deuses e não necessitavam de trabalhar: o mel escorria das árvores que também lhes davam as glandes e imensos frutos silvestres. Às cabras iam buscar o leite e, como não envelheciam, tão pouco temiam a morte. Viviam em paz com a natureza. Foi a idade de ouro. Mas este paraíso não durou sempre e o Homem julgou-se mesmo igual aos deuses e estes castigaram-no: se queria comer teria de trabalhar, de semear o pão. Não se guerreavam, mas já não eram apenas recoletores. Surgiu ainda a necessidade de sofrer para viver. Foi a Idade de Prata. Entretanto, o mel começou a escassear e os prados não bastavam pra os animais e o homem inventou artefactos em bronze, quer para trabalhar, quer para se defender dos animais bravios, quer mesmo para guerrear. Matavam os animais para sobreviver, cultuavam as guerras e tornaram-se insolentes. Viveram a Idade de Bronze. Contudo, a crueldade, a injustiça, a malícia, a dissolução dos costumes, as traições inundaram os sítios e as pessoas, com o aumento da população e a violência e as guerras, e tornaram-se uma quase inevitabilidade. E o sofrimento, em definitivo, apoderou-se do homem. Foi, era, é a Idade do Ferro.

Alguns mitógrafos referem ainda uma quinta idade, a da Pedra (do barro, do húmus), que sobreveio ao dilúvio do qual apenas se salvaram Deucalião e Pirra, nas narrativas helénicas, ou Noé e a família, na efabulação bíblica.

Mutatis mutandis, estas quatro(ou cinco) idades fazem parte do percurso humano. Com efeito, no útero, vivemos um tempo divino, de paz, de segurança, de equilíbrio onde nem sequer necessitamos labutar para sobreviver. Depois nascemos e logo precisamos respirar e de fazer esforço para comer e isso dói-nos. Já não estamos tão seguros. Vamos crescendo e tanto em família como na escola somos obrigados a partilhar os afetos, os espaços, a comida, os brinquedos, tudo. E mandam-nos estudar e arrumar o quarto e a sermos pontuais e… e como dói a nossa idade de bronze. Mas dura mesmo é a de ferro: temos de lutar por um emprego ou pelo sucesso da nossa empresa. Como operários ou como empregadores, o nosso sucesso depende de muito trabalho, de muito sacrifício, de muita competição. E às vezes perdemos porque um qualquer tsunami nos mandou para o desemprego ou para a falência. E quando, no desemprego ou na falência, nos levantamos de novo, vivemos a nossa quinta idade, a da pedra, a da lenta construção da nossa calçada.

Ora, em todo este percurso, a nossa vontade é a do regresso à segurança do ventre materno, ao convívio com os deuses que, entretanto, cansados do homem, mudaram-se de armas e bagagens para o cume do Olimpo. Mas o Homem, não desistindo, construiu igrejas no cimo dos montes e dentro das igrejas inventou degraus para nos lembrar que na ascensão até ao divino, “ad augusta”, o percurso sempre se fez “per angusta”, isto é, com dificuldades, com muito trabalho.

É verdade que toda esta caminhada é cansativa, mas peregriná-­la reconforta o caminheiro.

Quando assim não é, ficamos cansados de nós!

José Luís Carvalhido da Ponte

 

[1]A Mitologia, Edith Hamilton, Ed. Dom Quixote

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