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Marisa Carvalho
Nacional

De romanos a robôs: A história oculta dos jogos de estratégia

Rádio Alto Minho

26 Março 2025, 9:08

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Imaginem um legionário romano, há dois milénios, ajoelhado no chão de terra batida de um acampamento militar. Nas suas mãos, segura dados talhados em osso, gravados com símbolos que representam deuses e destinos. Cada lançamento é uma prece, uma tentativa de decifrar a vontade de Fortuna, a divindade caprichosa do acaso.

Desde os primeiros dados de argila na Mesopotâmia até às plataformas modernas digitais como Bizbet, cada época reinventou os seus jogos, mas manteve intacta a essência daquilo que eles representam: um campo de batalha mental onde sorte, habilidade e psicologia colidem. Se os romanos viam nos dados um oráculo, nós vemos neles um desafio à lógica — mas a pergunta permanece a mesma: Como transformar incerteza em vantagem?

Esta jornada através dos séculos revela um fio condutor surpreendente. Os mesmos princípios que guiavam generais em batalhas épicas hoje orientam algoritmos em servidores distantes. As regras mudaram, os cenários evoluiram, mas o jogo — esse diálogo silencioso entre risco e recompensa — continua. E no centro dele, sempre esteve uma verdade incómoda: por mais que a tecnologia avance, o ser humano jamais escapará à sedução de apostar, mesmo quando as fichas são invisíveis e as cartas, linhas de código.

 

A estratégia como sobrevivência

Na Roma Antiga, os jogos não eram apenas passatempos. Eram rituais. Os dados, esculpidos em osso ou marfim, eram lançados em templos e tavernas, mas também em acampamentos militares. Os legionários acreditavam que cada queda dos dados revelava a vontade de Fortuna, a deusa do destino. Um jogo chamado Ludus Duodecim Scriptorum, precursor do gamão, era usado para simular táticas de guerra, misturando sorte e planeamento. Quem perdia, muitas vezes, pagava com moedas — ou com sangue. A honra estava em jogo, literalmente.

Mas não eram apenas os romanos que viam os jogos como extensão da vida real. Na Pérsia, o Chaturanga, ancestral do xadrez, simulava batalhas com peças representando infantaria, cavalaria e elefantes. Cada movimento era uma lição de estratégia, ensinando reis e generais a antecipar consequências. Séculos depois, no Japão feudal, o Go tornou-se uma ferramenta para treinar a mente de samurais. A mensagem era clara: jogar não era diversão, era preparação para o caos do mundo.

O Renascimento trouxe uma revolução silenciosa. Salões europeus encheram-se de nobres que jogavam Biribi, um jogo de azar com bolas numeradas, enquanto o pôquer começava a ganhar forma nas tabernas do Mississippi. Este último, curiosamente, tornou-se um símbolo de status. Dizia-se que um cavalheiro era julgado não pela sua riqueza, mas pela forma como segurava as cartas. A habilidade de blefar, calcular probabilidades e ler microexpressões transformou o pôquer numa arte — e em metáfora para a diplomacia e os negócios.

 

Algoritmos e All-Ins: Quando a máquina aprendeu a jogar

O século XX trouxe consigo uma mudança radical: os jogos saíram das mesas de madeira para os circuitos de silício. Plataformas digitais não apenas democratizaram o acesso a jogos clássicos, como reinventaram a sua essência. O pôquer, outrora restrito a salões fumacentos, agora acontece em tempo real, com jogadores de continentes distintos competindo em ambientes virtuais. A roleta, que encantou os aristocratas de Monte Carlo, ganhou versões em 3D, onde a física do giro é simulada por código. A tensão, porém, permanece a mesma: um clique pode significar triunfo ou ruína.

Mas a verdadeira revolução veio com a inteligência artificial. Em 1997, o Deep Blue da IBM derrotou o campeão de xadrez Garry Kasparov. Em 2017, o Libratus venceu profissionais de pôquer no Texas Hold’em, um feito ainda mais impressionante, pois o jogo envolve informação incompleta e blefe. Esses algoritmos não seguem intuição — seguem padrões. Analisam milhões de partidas, identificam tendências e adaptam-se em milésimos de segundo. O que os romanos atribuíam aos deuses, os robôs atribuem à estatística.

Hoje, os jogos de estratégia são laboratórios para a inovação tecnológica. Criptomoedas e blockchain estão a ser testadas em ambientes de jogos, enquanto a realidade virtual recria cassinos luxuosos no metaverso. Plataformas modernas usam machine learning para personalizar experiências, sugerindo jogos com base no perfil psicológico do utilizador. É uma ironia histórica: os mesmos mecanismos que mantinham os gladiadores romanos presos à arena agora mantêm milhões conectados a ecrãs, ansiosos pela próxima jogada.

 

O jogo nunca termina

A história dos jogos de estratégia é, no fundo, a história da humanidade a negociar com o desconhecido. Os dados romanos transformaram-se em bits; os salões aristocráticos, em salas de chat online. O que começou como ritual sagrado tornou-se ciência, mas a essência permanece: a emoção de desafiar o destino.

Num mundo onde até a sorte é programada, resta uma pergunta: quando os robôs dominarem todos os jogos, o que restará aos humanos? Talvez a resposta esteja na própria história. Afinal, mesmo que os algoritmos prevejam cada movimento, sempre haverá espaço para aquele all-in irracional, aquele blefe impensado — aquela centelha de caos que nenhuma máquina consegue reproduzir. E é nesse espaço, entre a lógica e a loucura, que o jogo verdadeiramente começa.

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